"Deixei os braços pousarem na madeira inchada e húmida, abri um pouco a janela a pensar que isso de olhar a chuva de frente podia abrandar o ritmo dela, ouvi lá em baixo, na varanda, os passos da avó Agnette que se ia sentar na cadeira da varanda a apanhar fresco, senti que despedir-me da minha casa era despedir-me dos meus pais, das minhas irmãs, da avó e era despedir-me de todos os outros: os da minha rua , senti que rua não era um conjunto de casas mas uma multidão de abraços, a minha rua, que sempre se chamou Fernão Mendes Pinto, nesse dia ficou espremida numa só palavra que quase me doía na boca se eu falasse com palavras de dizer: infância.
A chuva parou. O mais difícil era saber para as lágrimas.
O mundo tinha aquele cheiro da terra depois de chover e também o terrível cheiro das despedidas. Não gosto de despedidas porque elas têm esse cheiro de amizades que se transformam em recordações molhadas com bué de lágrimas. Não gosto de despedidas porque elas chegam dentro de mim como se fossem fantasmas mujimbeiros que dizem segredos do futuro que eu nunca pedi a ninguém para vir soprar no meu ouvido de criança.
Desci. Sentei-me perto, muito perto da avó Agnette.
Ficámos a olhar o verde do jardim, as gotas a evaporarem, as lesmas a prepararem os corpos para novas caminhadas. O recomeçar das coisas.
- Não sei onde é que as lesmas sempre vão, avó.
- Vão para casa, filho.
- Tantas casas de um lado para o outro?
- Uma casa está em muitos lugares - ela respirou devagar, me abraçou. - É uma coisa que se encontra.
In Ondjaki, Palavras para o velho abacateiro. Os da minha rua. Ed. Caminho.
Foto: Laurent Breizh, Colors
A chuva parou. O mais difícil era saber para as lágrimas.
O mundo tinha aquele cheiro da terra depois de chover e também o terrível cheiro das despedidas. Não gosto de despedidas porque elas têm esse cheiro de amizades que se transformam em recordações molhadas com bué de lágrimas. Não gosto de despedidas porque elas chegam dentro de mim como se fossem fantasmas mujimbeiros que dizem segredos do futuro que eu nunca pedi a ninguém para vir soprar no meu ouvido de criança.
Desci. Sentei-me perto, muito perto da avó Agnette.
Ficámos a olhar o verde do jardim, as gotas a evaporarem, as lesmas a prepararem os corpos para novas caminhadas. O recomeçar das coisas.
- Não sei onde é que as lesmas sempre vão, avó.
- Vão para casa, filho.
- Tantas casas de um lado para o outro?
- Uma casa está em muitos lugares - ela respirou devagar, me abraçou. - É uma coisa que se encontra.
In Ondjaki, Palavras para o velho abacateiro. Os da minha rua. Ed. Caminho.
Foto: Laurent Breizh, Colors
8 comentários:
Tem piada que li há poucos dias um texto de Ondjaki cujo título era (acho eu, já o entreguei na biblioteca...) Há prendizajens com o xão.
Um abraço
P.
Um texto magnifico de um autor para mim desconhecido...
Abraço
venho a tua casa,
trago a minha no olhar,
entro e respiro fundo de saudades
saio com um sorriso e na certeza de que a visita compensou a saudade.
1 sorriso muito luminoso
Lana
Ouvi o Ondjaki ler um pequeno conto seu. A leitura foi de tal forma emotiva que nunca mais procurei o texto para não estragar o momento. Um jovem de muito talento e alma.
Texto ternurento... lindo!
Em cada despedida fica um pouquinho de nós...
Mas a nossa casa é onde conseguimos ter o nosso mundo, a nossa alma... nem sempre onde habitamos...
Beijos!
Belo texto! Uma construção maravilhosa! beijos
Oie passei por aqui e deixei beijinhos com votos de uma semana feliz!
beijinhos e boa semana também para vocês.
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