A velhice tem dores maiores. Estacionava eu o carro, onde geralmente estaciono, quando levo os meus filhos à natação. saímos do carro e uma senhora de idade abordou-me. da janela do seu rez-do-chão. Queria saber as horas. Depois de alguma incompreensão, percebeu que era 17h10. E começou a falar dos vários relógios que tinha em casa, mas que nenhum dava hora igual. Perdida no tempo, perdera as horas, compreendi eu depois.
Já lhe virara costas, com relativa pressa para levar o miúdo (o outro já lá estava), quando me pergunta se lhe fazia outro favor. "Claro" - disse eu. A minha pressa era relativa, como a é de todos. Veio à porta e mostrou-me uma caixa de pastilhas para a garganta. Estava escrito à mão para tomar de 2 em 2 horas e achava que tinha perdido a hora. "A filha... os relógios... dormir..." Não percebi bem o resto.
Mas interessa?
Já lhe virara costas, com relativa pressa para levar o miúdo (o outro já lá estava), quando me pergunta se lhe fazia outro favor. "Claro" - disse eu. A minha pressa era relativa, como a é de todos. Veio à porta e mostrou-me uma caixa de pastilhas para a garganta. Estava escrito à mão para tomar de 2 em 2 horas e achava que tinha perdido a hora. "A filha... os relógios... dormir..." Não percebi bem o resto.
Mas interessa?
JGuerra
18 comentários:
a cidade encerra em si
mais uniVersos do que
imaginamos. basta ter
tempo de ouvi-la.
abraço...
São os momentos que nos vão salvando no dia-a-dia, que nos fazem emergir das nossas selvas pessoais, dos nossos rotineiros campors de batalha, que nos fazem reflectir sobre o que no ser humano mais dói, sobre a solidão, sobre a alteridade... Podias ser tu a perguntar as horas, podias ser tu a querer apenas alguém que, como dizia E. Lévinas, em 'Ética e Infinito', te olhasse o rosto, olhos nos olhos, apenas porque isso te daria um pouco mais de vida ou, quem sabe, a eternidade (ou um pedacinho dela)
Um grande abraço
P.
Amigo Joaquim, não resisto a comentar assim este seu post vivido ao "vivo":
(...)Uma pessoa envelhece lentamente: primeiro envelhece o seu gosto pela vida e pelas pessoas, sabes, pouco a pouco torna-se tudo tão real, conhece o sginificado das coisas, tudo se repete tão terrível e fastidiosamente. Isso também é velhice. Quando já sabe que um corpo não é mais que um corpo. E um homem, coitado, não é mais que um homem, um ser mortal, faça o que fizer... Depois envelhece o seu corpo; nem tudo ao mesmo tempo, não, primeiro envelhecem os olhos, ou as pernas, o estômago, ou o coração. Uma pessoa envelhece assim, por partes. A seguir, de repente, começa a envelhecer a alma: porque por mais enfraquecido e decrépito que seja o corpo, a alma ainda está repleta de desejos e de recordações, busca e deleita-se, deseja o prazer. E quando acaba esse desejo de prazer, nada mais resta que as recordações, ou a vaidade; e então é que se envelhece de verdade, fatal e definitivamente. Um dia acordas e esfregas os olhos: já não sabes porque acordaste. O que o dia te traz, conheces tu com exactidão: a Primavera ou o Inverno, os cenários habituais, o tempo, a ordem da vida. Não pode acontecer nada de inesperado: não te surpreeende nem o imprevisto, nem o invulgar ou o horrível, porque conheces todas as probabilidades, tens tudo calculado, já não esperas nada, nem o bem, nem o mal... e isso é precisamente a velhice.(...)
Sándor Márai, in 'As Velas Ardem Até ao Fim'
retirado de um livro que eu admiro e julgo oportuno divulgar completando esta sua publicação. Abraço.
Meus caros,
é já um hábito encontrarmo-nos neste espaço do KIM a quem eu muitas vezes me apetece chamar de KING pelas razões que conhecemos.
Na minha perspectiva mais do que a velhice o que aqui está espelhado neste post é a solidão a que são votados os mais idosos. São anciãos têm sabedoria e conhecimentos dos tempos de outrora mas estão sós quase no fim dos seus dias.
O tempo, a pressa de chegar mais longe, os filhos e todos os outros cadilhos que diáriamente temos afastam-nos progressivamente deles e eles perdem-se no tempo e a janela para a rua e para a realidde é uma porta, uma abertura, para a vida que ainda existe.
1 abraço e um sorriso mto luminoso
Lana
como prometido tenho um post novo.
bjs.
É verdade Saudosista. A cidade tem vários mundos e vários tempos. Umas vezes conseguimos interpenetrá-los e, muitas vezes, nem por isso.
Meu caro Efeneto, não partilho da visão de Sándor Márai. Não nos podemos conformar à velhice, sob pena de ela nos consumir por dentro tal como por fora.
Baudolino, é tão importante sentir que alguém olha para o nosso rosto, faz-nos viver, regressar ao presente em vez de ficar amarrado ao passado.
Lana, a solidão das cidades e agora até das pequenas vilas e aldeias é um reflexo da sociedade que vamos construindo. Daí o quão importante aquilo que dizia mesmo agora ao Baudolino, olhar para os outros, com olhos de ver, faz^-los sentir vivos e participativos na criação da nossa sociedade, mesmo que seja À escala pequena de uma rua, de uma janela.
Abraço a todos (Efeneto e Saudosista incçuído que me esqueci anteriormente).
PS: Fico feliz Lana.
Parvos dos relógios...
É este o lado da velhice que mais me assusta... a desorientação, solidão.
Mila, acho que assusta a todos. Obrigado pela visita.
Adorei este seu post e mais ainda os comentários que os seus ilustres visitantes aqui fizeram. Obrigado vizinho pela sua visita, serei uma visita assídua do seu blog.
A lonjura é a distância da viagem, a idade não cobre os rochedos, passam ventos de encantamento descobrindo mil e um segredos, tantas histórias, tanto caminhar, quanto tempo leva a viagem das pedras e se o sol não voltasse no amanhã achas que a lua sorria para elas?...
Boa semana
Abraço
Vai depender do ponto de vista de cada um, certo?
vai ao meu blog caro KIM
1 sorriso lum9inoso
lana
A idade não perdoa, o tempo passa sem contemplação e sem piedade...mas podemos ajudar a minimizar os problemas, as confusões próprias da idade daqueles que jà viveram tanto que estão cansados... beijos.
Me pergunto meu amigo, se ela não precisava só um pouco de atenção...penso assim.
Deixo-te uma pérola incandescente de carinho.
Eärwen
Caros amigos,
é verdade que a idade não perdoa e que queríamos ter as faculdades de agora para sempre. Acho que temos de ir sabendo lidando com a mudança, aproveitando dela o que podemos e procurar melhorar o que vamos fazendo menos bem.
O que me assusta mais é ficar dependente de alguém. Quer fisica quer mentalmente.
E se os rochedos ficam a descoberto, porque não aproveitarmos deles para nos dar segurança naquilo que nos permitem fazer. Os rochedos tb protegem, nem sempre dificultam o caminho. Dependendo do ponto de vista, claro, como afirma o "noivo".
Por fim, a velhice é frequentemente acompanhada de solidão. E como dizes minha amiga, ela podia apenas querer um pouco de companhia no seu dia.
Grande abraço a todos.
Meu caro J.Guerra,
obrigado por tua visita ao Oficina.
Na prosa a analogia de Cronos emergente e deveras refutável: a velhice.
Façamos da alegria a seiva da juventude.
Grande abraço e bom Final de semana!
Obrigado pela visita Luís. Sim, Cronos marca o tempo... dos relógios e de nossa vida.
Abraço.
Enviar um comentário